Resposta...
"O que é uma vida a sério?
Ele chegou cansado a casa. Aquela segunda-feira tinha sido uma correria e ainda teve de ficar horas a trabalhar no computador. As costas já dão alguns sinais de posturas incorrectas à secretária e de algumas quedas durante a juventude, onde tudo parecia ser mais fácil e acreditava que o corpo aguentava tudo sem estar preocupado em comprar leite reforçado com cálcio.
Os olhos já piscavam em frente do computador acusando a fadiga. Foi então que se lembrou de uma amiga que estava doente. Desde que a conheceu ficou com boa impressão dela. Impressão essa comprovada depois de ler alguns textos do seu blogue mas, acima de tudo, de ter tido o prazer de partilhar com ela algumas opiniões, discutir cara-a-cara pontos de vista e abordar questões existenciais que cada vez passam mais ao lado de uma sociedade consumista, individualista, até mesmo egoísta e excessivamente preocupada com o “ter” e não com o “ser”. Entretanto, lembrou-se de uma célebre frase: “A vida é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados a fazer planos para o futuro”, já dizia John Lennon. Pois é. O ex-Beatle tinha razão.
Talvez seja por isso que, quando chegamos ao tal futuro que passa a ser presente, começamos a olhar para o passado e a lamentarmo-nos daquilo que não fizemos e gostávamos de ter feito, daquilo que não dissemos e gostávamos de ter dito, daquilo que não vivemos e gostávamos de ter vivido. Talvez tenhamos estado demasiado distraídos a fazer planos para o futuro quando a vida acontecia diante dos nossos olhos.
Como a hora já era tardia, a preocupação fez-lhe enviar uma mensagem de telemóvel: “Olá. Estás melhor?” Mensagem pendente. O descanso é de ouro e o botão de desligar o telemóvel também serve para isso mesmo. Mensagem recebida no outro dia com uma simples resposta: “Tou”. Bem, apesar da resposta directa e seca, é bom sinal. O estado de saúde evoluía de forma positiva e, por certo, não era uma mera gripe que deitaria abaixo uma mulher, ou rapariga como ela gosta de se auto denominar para não ferir susceptibilidades, forte.
Uma música calma na rádio Radar fazia-lhe companhia enquanto lia atentamente o texto. À medida que percorria as letras, as palavras, as frases, e se apercebia das ideias e dos sentimentos nelas contidos, não pode deixar de se emocionar. Talvez tenha sido por muito daquilo que estava ali escrito lhe ter tocado bem fundo abordando questões que também lhe causam inquietação interior. De facto, o que é uma vida a sério? Será que há uma vida a sério? Ou será que a sociedade onde vivemos nos incute desde crianças durante o processo educacional e de socialização aquilo que é considerada uma vida a sério? Devemos antes dar importância àquilo que realmente nos diz algo dentro de nós ou arriscarmo-nos a estarmos a viver uma vida ditada por outros e não escolhida por nós, sabendo diante mão que o idealismo tem limites. Mas o pensar que queremos mudar para melhor, é um bom principio para conseguirmos realmente mudar para melhor.
Pensa, sente mas não fiques por aí. Age. A vida cinzenta ou os dias “flats” podem mudar quando gostamos de alguém. Mas essa transformação tem de partir, primeiramente, do nosso interior e só depois irmos buscar algo de diferente exterior. Se estivermos bem connosco, temos uma maior probabilidade de aceitarmos melhor a realidade que nos rodeia e de nos relacionarmos com os outros. Mas uma das grandes crenças irracionais que afecta o ser humano é a de que se precisa absolutamente e necessarimente de amor para viver.
É esta uma das grandes causas de depressões principalmente quando as relações acabam. “Não vou aguentar viver sem ele/a”, “Não vou conseguir gostar de mais ninguém, a minha vida acabou”, “A minha vida sem ele/a não faz sentido” são algumas das frases robustas que se instalam no pensamento e o impedem de ver para lá do cinzento, como se a pessoa tivesse colocado uns óculos escuros que transformam toda a realidade em algo cinzento e negro. Há pois que disputar os absolutos da nossa mente tentando perceber a melhor forma de arrancá-los pela raiz.
Depois de aceitarmos que é perfeitamente possível vivermos de forma independente, acabamos por sentir, mais cedo ou mais tarde, que a vida só fará mais sentido se for partilhada com alguém. Ou seja, se amarmos (a dádiva de dar) e sermos amados (o prazer de receber). Este aspecto está de certa forma intrínseco na natureza humana e, caso não queiramos viver as nossas vidas como eremitas, devemos procurar “a” pessoa certa. Se bem que este conceito é algo subjectivo e que daria mote a outro ponto de discussão. Talvez numa outra oportunidade para breve, por certo.
De facto, podemos questionar-nos: “Porque é tão difícil?” A resposta a esta pergunta poderá ser, digamos, uma outra pergunta “Mas quem é que disse que tinha de ser fácil?” A nós não nos cabe questionar de forma excessiva aquilo que nos vai acontecendo na vida (obviamente teremos de o fazer em certas situações) mas antes decidirmos o que fazer com o tempo que nos é concedido. É essa uma das poucas coisas que realmente controlamos na nossa vida. Temos de decidir: vamos agir e procurar alterar a situação se não estamos felizes com algo ou vamos perder-nos em exercícios de auto comiseração?
Por mais que não sintamos, a nossa vida a sério já começou há muito tempo. Aquilo que existe de mais importante na vida está dentro de nós. Agora, é hora de procurarmos alcançar uma vida que nos traga mais felicidade estando ciente que esta última é um caminho e não um fim.
Nessa noite, ele foi deitar-se e sorriu por ela ter, sem querer, despoletado todo um conjunto de pensamentos que estavam guardados lá dentro. São ideias que ficam, que nos fazem pensar e nos fazem sentir mais perto daquilo que somos, na nossa busca incessante em procurarmos sentirmo-nos mais felizes e de sermos melhores pessoas.
A melhor forma que encontrou para lhe agradecer foi partilhar com ela esses pensamentos."
Obrigada eu.