quinta-feira, agosto 30, 2007

Encosta-te a mim

Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos.
Encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar.

Encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.

Chegada da guerra,
fiz tudo p´ra sobreviver,
em nome da terra,
no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem,
não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói,
não quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi,
hei-de inventar contigo
sei que não sei
às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem,
encosta-te a mim.

Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes.
Vizinha de mim,
deixa ser meu o teu quintal,
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada,
foi roubada,
seja como foi.

Eu venho do nada
porque arrasei o que não quis
em nome da estrada,
onde só quero ser feliz.

Enrosca-te a mim,
vai desarmar a flor queimada,
vai beijar o homem-bomba,
quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo,
e o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei,
às vezes entender o teu olhar,
mas quero-te bem.

Encosta-te a mim
Encosta-te a mim

Quero-te bem.

Encosta-te a mim.

Jorge Palma

terça-feira, agosto 28, 2007

Até que um dia não surpreenda...

Já não estarei cá.

Diz-se, dizem os experientes e lutadores da vida que aprendemos sempre muitas coisas que desconhecíamos em nós e que ficamos mais fortes cada vez que alguma coisa na nossa vida nos abala.

Esta é a história de uma vulgar mesa de cozinha, que servia de pouso para os talheres e pratos e tudo o mais que os seus donos cuidassem de meter em cima dela e de a fazerem sentir-se útil na sua função. Não era nem querida, nem detestada pelos que moravam naquela casa, apenas necessária. Dizia uma amiga, aquando de uma oral de economia em que lhe perguntavam qual era a diferença entre os bens, que aquela era tão simples como isto: quando o poder económico é superior, compramos bolachas com bocadinhos de chocolate, quando é inferior, mas a gula é igual, que remédio temos nós senão satisfazermo-nos com a tradicional bolacha Maria, acessível a qualquer bolso. Mas esta mesa não era feliz, aspirava um dia a ser uma bonita mesa de banquete onde, em vez de se servirem os pratos e talheres correntes do dia-a-dia, se servissem os luxuosos serviços guardados para as ocasiões especiais.

O seu sonho durou até ao dia em que a substituiram por outra mesa, mais adequada a tal serviço. Tal foi a desilusão. Não a guardaram nem mais um segundo. A velha mesa, onde tantas refeições foram tomadas, que acompanhou tantas alegrias e tristezas e que fizeram dela uma cúmplice, foi votada ao desprezo para uma casa antiga como ela.

Nunca mais teve uso.

Esta seria uma história para crianças: uma mesa com sentimentos e sonhos é, na nossa percepção, completamente irreal.

A ideia subjacente: a que até os objectos têm sentimentos e sonhos, mas usam-se, cumprem a sua função e voltam a servir outra ou são reciclados. Já dizia Lavoisier.

Imaginemo-lo à escala do ser humano.