sexta-feira, julho 15, 2005

Privatizações

"Regressados de uma viagem à Argentina e Bolívia,
os meus cunhados Maria e Javier trazem-me o jornal
Clarin de 30 de Agosto.

Aí vem a notícia de que vai ser apresentada
ao Parlamento peruano uma nova lei de turismo
que contempla a possibilidade de entregar
a exploração de zonas arqueológicas importantes,
como Machu Picchu e a cidadela pré-incaica
de Chan-Chan, a empresas privadas,
mediante concurso internacional.

Clarin chama a isto
"la loca carrera privatista de Fujimori".

O autor da proposta de lei
é um tal Ricardo Marcenaro, presidente
da Comissão de Turismo e Telecomunicações
e Infra-Estrutura do Congresso peruano,
que alega o seguinte, sem precisar da tradução:
"En vista de que el Estado no ha administrado bien
nuestras zonas arqueológicas
-qué pasaría si las otorgaramos a empresas
en otros países con gran efectividad?"

A mim parece-me bem.

Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan,
privatize-se a Capela Sistina,
privatize-se o Pártenon,
privatize-se o Nuno Gonçalves,
privatize-se a Catedral de Chartres,
privatize-se o Descimento da Cruz,
de Antonio da Crestalcore,
privatize-se o Pórtico da Glória
de Santiago de Compostela,
privatize-se a Cordilheira dos Andes,
privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu,
privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei,
privatize-se a nuvem que passa,
privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno
e de olhos abertos.

E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar,
privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez
a exploração deles a empresas privadas,
mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo...

E, já agora, privatize-se também
a puta que os pariu a todos."

(in, "Cadernos de Lanzarote", Diário III,
José Saramago, págs. 147/8)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

À Peixinho da Horta (tb conhecida como E.S.):

A privatização é algo que cá em Portugal é muito mal vista porque é sinónimo de receitas extraordinárias. Todos os governos fazem isso desde que há uma dívida/défice público para abater.

Mas, no caso da Argentina/Bolívia, temos outro caso. É que sendo países com graves problemas económicos/financeiros, as prioridades dos governantes têm de se preocupar primeiro de tudo com a estabilidade financeira e depois com as pessoas. Embora os comunistas pudessem declarar como insultuoso, este comentário é real, uma vez que se as finanças de um país estiver em défice profundo, o sistema público (eudcação, saúde, infraestruturas, justiça,...) afunda-se, afundando conjuntamente primeiro todo o comércio, empregos especializados e quadros superiores e, em seguida, indústrias, pequeno comércio e tudo o resto.

A privatização pode ser algo bom para alguns monumentos da Argentina/Bolívia que provavelmente estão em estado de degradação por falta de manutenção. Imagine-se por exemplo aqueles monumentos abandonados em Sintra que estão há mais de 15 anos para serem limpos/restaurados e que estão fechados ao público pelo perigo de se perder esse monumento. Se se privatizasse, poderia acontecer 2 coisas: 1) a empresa privatizadora fechava definitivamente ao público e transformava o espaço numa zona privada ou 2: a empresa restaurava o monumento e fazia uma gerência privada do monumento em causa.

Até porque nenhuma empresa no mundo compra um monumento para o destruir ou para o deixar abandonado mas para o rentabilizar.

Por isso, a privatização não é tão mau como isso.

E, se vires, os nossos castelos praticamente já foram privatizados com as pousadas dentro delas.

Por isso, a privatização até pode ser a tábua de salvação do país e dos próprios monumentos.

Pseudo-Anónimo (e a Pam da C.S. manda-te beijos - Almada Rules!)

6:02 PM  

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