domingo, outubro 29, 2006

O tempo da manipulação




Sendo um grande aliado nas aprendizagens mais marcantes da nossa vida, porque reveladoras e estruturantes, o tempo tem um papel fundamental em tudo o que somos. Ajuda-nos a identificar o que se passa dentro e fora de nós. Se o deixarmos correr e colaborarmos com ele, trabalha sempre a nosso favor, tem uma influência positiva e libertadora. O tempo é sábio, dizem os antigos. Ninguém como ele revela, ilumina, faz balanços e redimensiona situações passadas.

Olhando para trás percebemos o que se escondia por detrás deste ou daquele comportamento das pessoas que estiveram ou ainda estão muito próximas. Entendemos porque amámos este e nos distanciámos do outro, porque escolhemos fazer isto e não aquilo, porque estivemos afectivamente mais perto de uns e porque nos sentíamos mal e desconfortáveis junto de outros. Neste momento, quando uma parte significativa da nossa vida já passou, não é raro descobrir a raiz de muitas inseguranças, medos e sentimentos de inferioridade que assombraram fases da nossa vida.

Mal-estar obscuro. Já aconteceu a todos nós, muito tempo depois de todas as idades ingratas passadas, com todas as inseguranças que nos custaram, tomar consciência do mal-estar, inferioridade e impotência generalizada sentidos face a uma ou várias pessoas que connosco se cruzaram, e de quem estivemos próximos em determinadas circunstâncias da nossa vida. Esse desconforto difuso, mais ou menos pontual, conforme o caso de cada um atravessa a nossa memória de tempos a tempos sem que consigamos avaliar exactamente os estragos feitos ou entender verdadeiramente o que se passou.

Mas a verdade é que, mesmo passados alguns anos, nos vem à memória, como se fosse hoje o constrangimento causado pelos comentários maldosos de uma professora sobre uma determinada fragilidade que queríamos esconder, ou a implicação injusta, por um amigo, numa asneira na qual não tivemos responsabilidade. Sem saber como, sentimo-nos envolvidos numa situação que não controlamos, à mercê de alguém que, sem sabermos como, conhece aquilo que consideramos os nossos pontos fracos, medos imperfeições e fraquezas, e que as usa a seu belo prazer, como uma batuta de uma orquestra que toca uma música escolhida só por ele.

Mais tarde, na vida adulta, sempre que nos encontramos em situações de confronto com um poder qualquer, que de alguma forma ameace a nossa integridade, essa velha sensação de humilhação e abuso volta em força, trazendo à tona as vulnerabilidades escondidas.

Voltamos a sentir vergonha, humilhação, rejeição e abandono, especialmente quando se trata de relações afectivas que, a acreditar nos mais variados testemunhos, são as mais dolorosas e mais difíceis de lidar e controlar. Isto porque interferem com o nosso lado mais íntimo e tudo o que com ele se prende em matéria de expectativas, desejos e necessidades mais profundas.

Vampiros são frequentemente as histórias amorosas que "correm mal" e que deixam marcas profundas e sentimentos amargos de rejeição, inferioridade e culpa nos que são finalmente deixados, depois de um período mais ou menos longo, conforme o caso, de desvalorização e desgaste. Mais tarde, estas pessoas confessam sentir-se sem energia, defraudadas, abandonadas sem uma explicação credível, abusadas na confiança e no afecto dado mas nunca recebido.

Depois da ruptura, saiem da relação com a auto-estima e o sentido do valor próprio arrasados, com todas as suas fragilidades exacerbadas, no grau zero da confiança em si e nos outros. E se uns se recompõem e aproveitam a oportunidade para detectar os pontos em que a sua estrutura pessoal quebrou, e passam a usar a intuição para não voltar a cair nas mesmas armadilhas, outros dificilmente sobrevivem a estas manobras e muito simplesmente sucumbem.

Em qualquer dos casos, é importante poder, em algum momento da nossa vida, avaliar o impacto que este tipo de relações, amorosas, de trabalho, amizade ou sociais, tiveram e têm sobre nós. Muitos recorrem às terapias, outros procuram conselhos e apoios de vária ordem para finalmente entenderem que não são responsáveis pelo sucedido, embora isso lhes tenha deixado um rasto de culpa, vergonha e frustração.

Interessa-nos saber quem amamos, como o fazemos de determinada maneira e não de outra. Importa-nos também saber avaliar quem está diante de nós e saber identificar e distinguir manobras que nos fragilizam sem darmos conta.

In, XIS, nº 381, 21/10/2006

1 Comments:

Blogger MPR said...

E eu a pensar que tinhas ganho inspiração! lol

3:17 PM  

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